sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pierre Soulages (1955)



segunda-feira, 21 de setembro de 2009

«Agora é um Ultra-Mar que ultrapassa...
... Os limites... do êxtase...
O sal, o som, o gemido, o sabor
O gosto do inocente, a loucura do demente...
... Que sente...
... E pensa... Palavras inocentes de pureza infernal
... Que ecoam pelas entranhas...
... Da Pátria-Mar...»
André Martins, aqui

segunda-feira, 6 de julho de 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

John Paul Caponigro


Aturdida perante o que o mundo lhe oferece. Um fervilhar intenso que ela amansa na espera. Revê a geografia dos órgãos mais uma vez. Os olhos ficam-lhe presos ao doce entardecer do dia. Embora tenha interiorizado essa sensação de doçura como nítida perfídia, não lhe dispensa o encanto enredado. Despede-se da última flamância violenta do dia. Ela respira como manso pardal nocturno. À espreita. Ama a noite como ama cada subterfúgio do seu corpo. Consegue perscrutar na pele o bafejar das estrelas. Pressente no escuro a enorme estrada acendida no que lhe é mais íntimo. Concebe uma irmandade de corpos celestes. O céu estrelado – aparentemente arrítmico – surge-lhe como partitura magistral a requerer um debruçar sensível. Mãos frágeis mas agilmente meticulosas no artifício da leitura. Láctea. Leitura do espaço para dentro de si pelos sentidos expandidos.
A janela aberta ao luar – boca do quarto – por onde respira o pensamento. Um patamar onde ela orquestra os ruídos mais elementares que se atracam no ouvido. Ritmos. A música. O canto hipnótico dos grilos, quase religioso; o romântico soluçar do cuco. Bebe os sons. Sofregamente. Última água para longa, muito longa, travessia do deserto. Dança descalça esmerando exactidão nos movimentos. Balança o corpo como que embebedada de melodia. Luz. A mais pura luz. Vinda de dentro, do estremecimento dos ossos, das cartilagens. O exercício da alegria. A sós com tudo o que a rodeia.
Inebriada corre até à fruteira da cozinha. Fome do que não é de carne. Namora toda a fruta e descobre, por baixo dos pêssegos e das bananas, uma maçã vermelha tão solitária quanto ela. Indaga-lhe os pequenos defeitos. Autopsia-lhe o luzir estrangeiro que verdadeiramente a seduz. Revê-se na maçã. Compreende-a. Acaricia-a como se tocasse nela própria. Cresce subitamente a vontade de aconchegá-la junto aos lábios. Varre-lhe a superfície com a boca fechada. A maçã viaja no sorriso de um canto ao outro. E estranha não desejar trincá-la, ou mordê-la ao de leve, apaixonadamente. Os dedos lavam-se na frescura da casca e ela ganha novo fulgor. Devolve a maçã à fruteira consagrando-a rainha. Contempla-a cumplicemente à distância. Renasce o gáudio sabendo restituída à maçã a sua legítima imagem. Porém, no mais fundo de si, percebe que algo mudou. Volta as costas à fruteira e pressente que a túrgida maçã a observa, irremediavelmente fecundada.
Sair à rua. Contagiar mais além. Boceja ao dar-se conta da tamanha felicidade que a invadiu e quer emprestá-la enquanto luz. Caminha pelas ruas da povoação beijando a noite nas esquinas. O vestido brilha. Os dedos saboreiam a bainha. Caminha ao ritmo do que ainda lateja vigorosamente no corpo.
Diante do rio. Despe-se como se vestindo pura. Assim se manifesta completa sua alma bivalve. Entra no rio com uma serenidade que ilumina as margens. Mergulha a cabeça e ascende à superfície como que cumprimentando a vida aquática. Depois nada pressurosa e em dual movimento reacende ondas que lhe são familiares. O seu território. Apazigua-se num recanto junto aos salgueiros. É a água negra da noite a sua maior confidente. Os pés são grandes raízes. Balança os braços, ramos brancos submersos. A água iluminada ao seu redor, farol de algas e peixes deixados à solta. Uma solidão salutar brindada com breves relâmpagos de harmonia por todo o ecossistema. Uma rocha a meia profundidade – um púlpito no tórax do rio. Que sabe ela do coração? Antiga num sentir que jura ainda não dominar, nutrido pela desprendida osmose. O que vê é tudo universo.

domingo, 14 de junho de 2009

Fernando Lemos [Eu, 1950]


Manhã. Sempre uma manhã. Direito ao reflexo do mais longínquo abutre. O cordão umbilical assombra-se na linguagem. Hipotético estômago do abutre. Ele ri. Vive. Não escuta ainda o ruído das páginas que lerá. Nem precisa. Nunca precisará. Pelo menos até ao mínimo clarão onde lhe há-de surgir o mistério do tempo. Nada em branco, infelizmente. Pensa ele. Confuso. Os olhos procuram janelas. Os outros. Um abismo retorcido. A sujidade das unhas. E a ácida amplitude do cérebro na cabeça. A controversa superioridade sobre o que designa de animal. Respira. Vive. Dorme. Acorda sem querer acordar. Planeia fingir querer acordar. O dia brindado com amnésia uterina irá convencê-lo num despertar inequívoco. Na noite que antecederá esse dia enumerará sonâmbulo as mais indecifráveis razões. Desconhecidas, a olho nu. De súbito o conforto. Uma estante cheia de livros. A boca lânguida a atear papel na fogueira da teatralidade. Cruel. De resto há muito que aprendeu a brincar. Consigo e com os outros. Fora deles para dentro de si. De si para dentro dos outros. Foi aprendendo a esperar. Assim se adensa, febrilmente, o mapa da sua concepção do tempo.
Beberrica o café no terraço. Sabe-lhe a naufrágios de personalidade. Acrescenta-lhe mais açúcar. Uma espécie de anestesia. As papilas viciam-se. Revê-se no filão de mármore. Delapida o semblante. Defronte à vegetação. O coração da clorofila. Hera a esbofeteá-lo. A rampa dada pela rocha escavada. A consciência da mão humana. O muro hirto que dela se levanta. Cerebralmente oblíquo. Memórias sumarentas de frutos silvestres. Cortes precisos. A mestria dos dentes incisivos. E crê sufragar a dor do ser vegetal, erva ou fruto, permitindo à gata o livre arbítrio de ferrar com fundura as suas garras no braço tenro. O equilíbrio. Bem arrumadas as dimensões paralelas. O câmbio justo da natureza sem adendas à moral.
Ânsia. Ânsia plena. Vontade de partir. Ele quer transpor-se. Superlativamente. Trespassar repetidamente o espaço físico até à aresta indivisível. Quer experimentar todas as cores da metafísica mordendo vagarosamente o círculo inato da viagem. Transpor-se massajando as têmporas da imagem a si devolvida que de velha e opaca lhe é no espírito renovada. Questiona-se. Imuniza-se gradualmente. Busca maior resistência ao veneno da memória.
A hesitação dum solavanco pulmonar. O que os olhos mastigam de agreste na serra. Reencontrar-se? Não. Matar inquietações? Tão pouco. Procurar a imobilidade. Aprender com as fragas. A lisura do silêncio. Ele mantém-se frívolo. Desenrola a magia das pequenas coisas. Procura a força da água na imagem acorrentada. Uma dissecção dos músculos da água. A torrente. O branco efervescente que entusiasma o cérebro. Vê-se traído num fundo macroscópico e simples. Sente um exasperante desejo de água gelada da montanha. Transmuta-se. Indomável. Olha. Uma paisagem onde deixar o espírito. Selvagem. A preguiça dos dedos. A língua presa. Inteiramente imóvel por um instante. Alguns pingos de chuva desvirtualizam-lhe o rosto. E no regresso tudo se dissolve.

sábado, 6 de junho de 2009

sábado, 23 de maio de 2009





























[imagem de Jean Harp]